quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O determinismo em Guerra e Paz

Há algumas coisas curiosas – porque peculiares – na visão que os gênios têm do mundo. Alguns o enxergam muito bem. Outros, distorcem-no para que caiba dentro da sua genialidade.
Curioso mesmo é que justamente quem haja levado seu livre-arbítrio do modo mais extremado, numa vida repleta de idas e vindas, de reviravoltas mil, creia que o homem não seja mais do que um joguete dentro do compasso contínuo da História.
Ao terminar a leitura de Guerra e Paz, pareceu-me que Leão Tolstói deixara claríssima sua própria posição no mundo, assumindo que o indivíduo em si mesmo considerado nada mais seria do que um autômato, mero executor do predefinido destino dado aos homens pelas forças históricas que regem suas vidas.
Quando analisa a posição de Napoleão ou de Alexandre I, por exemplo, Tolstói o faz de modo a que o leitor creia que a invasão da Rússia pela França, e a tresloucada saída desta dos territórios dos Romanov, que tão estrondosos e espetaculares fatos não sejam mais do que simples consequências do marchar de enredo predeterminado pelas leis históricas.
Influenciado pelas doutrinas em voga à época, Tolstói seria mais um que acreditava na História como uma força propulsora capaz de levar o homem e a humanidade para um porto já por ela própria estabelecido? Ou, em outras palavras, Tolstói quis comprimir o mundo de tal forma que coubesse dentro da visão que tinha dele?
Talvez em razão da admiração que a obra de Tolstói desperta em mim, custa-me  muito essa hipótese. Dói pensar que a genialidade de quem chegou a ser considerado o verdadeiro Tzar russo pudesse ver o mundo com lentes tão míopes; visão de tal forma distorcida que o obrigasse a desconsiderar a liberdade que cada homem tem de agir de acordo com sua própria consciência.
É claro que posso estar errado, mas São Tomás de Aquino talvez tenha dado a mim a compreensão da visão de mundo de Leão Tolstói.
Ao abordar a questão da predestinação dos homens (Questão 22 da Suma Teológica), São Tomás assevera que todas as coisas estão sujeitas à providência divina, não só no geral, mas também no particular. E exemplifica: o encontro de dois escravos, embora casual para eles, no entanto foi previsto pelo senhor que os enviou a um mesmo lugar, sem que nenhum deles o soubesse.
Ora, a lição de São Tomás parece ser a mais adequada para um cristão, ainda que, como Tolstói, seja um heterodoxo dentre os ortodoxos.
A conclusão à qual chego (conclusão à qual quero chegar) é a de que para Tolstói o livre-arbítrio do homem impele-o a agir de acordo ou em desacordo com o bem que se encontra gravado em seu coração, mas que suas atitudes sempre produzem os resultados para os quais Deus o destinou.

Daí é que se há de inferir que não é a História a força motriz de cada homem nem da própria humanidade, mas Deus. O mesmo Deus a quem os modernos quiseram loucamente substituir por leis históricas cuja existência jamais conseguiram demonstrar, simplesmente porque impossível seria mostrar o que não existe.

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