Ficou célebre a frase que Sartre atribuiu a
Dostoievski segundo a qual: se Deus não
existe, tudo é permitido.
Se as palavras realmente não são bem essas,
Sartre sintetizou nelas todo o pensamento da personagem Ivan Karamazov, que
atribuía à crença na imortalidade que o homem carrega em seu âmago como a origem
da ordem moral que se sustenta na regra de que se há de amar o próximo como a
si mesmo. E, se se perdesse a crença na imortalidade, justamente ao que
aspirava Ivan Karamazov, num prelúdio do que diria aquele alemãozinho maluquético,
tudo seria permitido, até mesmo o
canibalismo.
Dostoievski coloca, pela
boca de sua personagem, algumas questões das mais fundamentais: De onde surgem
os valores que os homens portam? Por que pregamos a obrigação de amar o
próximo? Esses valores são aplicados em qualquer tempo e lugar ou estão à mercê
da aceitação de determinada sociedade? Enfim: tais valores são objetivos ou
dependem de alguma avaliação subjetiva?
Deixarei de lado aqui as discussões entre
os filósofos, e são muitas as altercações, para me ater ao último livro de
Dworkin; obra em que ele sustenta a objetividade dos valores, sem, entretanto,
afirmar por que razão seriam objetivos.
Eis aí o fruto da modernidade na qual as
pessoas perderam a sensação de ser observadas constante e fixamente por um observador onisciente.
Dworkin sabe que, sem a crença em valores
objetivos, a humanidade caminhará a esmo, pois tudo seria permitido, da
antropofagia ao assassinato de crianças ianomâmis e de pequeninas bebês
chinesas. Mas por que Dworkin não dá um passo mais largo e admite, como o fez
Ivan Karamazov, que só existem valores objetivos para aqueles que admitem a
existência dum Deus onisciente? Qual é a dificuldade em assumir isso?
Eu sei qual é a dificuldade, e ela é muito
clara para qualquer um que faça parte do debate público dos tempos atuais. Tudo
tem de ser argumentado sem que Deus exista, pois Deus não pode ser premissa
argumentativa daqueles que se denominam filósofos. Só que, sem Deus, sem partir
do pressuposto de que há um observador onisciente, não se consegue explicar,
por exemplo, por que os valores são objetivos, por que é errado uma criança
ianomâmi ser assassinada pela sua mãe, ainda que isso seja feito em reverência
ao costume da tribo em que elas, mãe e filha, estejam inseridas.
A modernidade, em minha opinião, não se
caracteriza pela tecnologia e pelas ciências que muito se desenvolveram; mas
pela derrota do homem, que finge não crer na presença de Deus onisciente
para, ao fim e ao cabo, acabar confessando seus pecados a um psicanalista,
que nem em pecados acredita!
Tiago, achei muito bom teu texto. Provavelmente me deixará intrigado com essas questões ("por que razão os valores seriam objetivos?" e "será que são mesmo?") por algum tempo... Abração! Eduardo
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