domingo, 19 de abril de 2020

A democracia como um fetiche do autoritarismo brasileiro

Hoje, em vários locais, muitos brasileiros pediram o retorno do regime militar. E, de seu turno, alguns se apresentaram em defesa da democracia. As coisas seriam simples, portanto. Uns malucos buscam a ditadura. Outros, os bonzinhos, lutam pela democracia. Só que o enredo se complica se se analisam as personagens que participam dessa disputa.

Ora, as pessoas que aspiram à volta do regime militar são as comuns. Essas que não mandariam em ninguém, mas seriam mandadas por quem usa coturnos. Os defensores do regime militar são aqueles que simplesmente cumpririam as ordens vindas de Brasília. Nem mesmo os militares parecem querer retornar ao poder. Ou, se querem, fingem não querer.

De outro viés, quais são os defensores da democracia? Aqueles que hoje em dia mandam e desmandam. Param o Brasil quando querem, fazem o que lhes dá na telha, ainda que em sentido contrário à vontade popular, porque simplesmente a desconsideram. Por exemplo, os presidentes da Câmara e do Senado, além de muitos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Se a democracia é, na feliz síntese de Abraham Lincoln, o governo do povo, pelo povo e para o povo, logo se vê que há algo de errado quando o povo quer com ela acabar, mas o establishment busca mantê-la a qualquer custo. Será que a luta é realmente contra a democracia ou contra um arremedo dela?

A democracia brasileira, se algum dia retratou a vontade da maioria do povo, definitivamente deixou de fazê-lo há algum tempo. De fato, a voz do povo só é ouvida uma vez a cada dois anos. Daí por diante, aqueles que venceram as eleições, sejam elas municipais, estaduais ou federais, acocoram-se sobre o poder para dele tirar o que lhes for mais proveitoso momentaneamente. E esse quadro piora um pouco quando se está a falar daqueles que, por um fortuito ou outro, tomaram para si a toga vitalícia dada por algum presidente ou governador para, nela embrulhado, colocar em andamento o que pensa ser o melhor para os súditos brasileiros, ainda que isso implique discordar absolutamente desses próprios súditos.

Se se derem nomes aos bois as coisas ficam mais fáceis. O presidente da Câmara, por exemplo. O deputado Rodrigo Maia, eleito com pouco mais de setenta e sete mil votos, graças ao regime democrático brasileiro, consegue bloquear todos os projetos vindos do executivo. Só para lembrar que o presidente da República, este que encaminha os projetos parados pelos caprichos de Rodrigo Maia, foi eleito com aproximados cinquenta e sete milhões de votos. Ou seja: um homem sozinho, eleito com pouquíssimos votos para exercer o mandato de deputado federal, consegue abafar a voz de milhões e milhões de pessoas já retratada nas urnas!

Outro que merece atenção, por suas declarações, é o ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal. Ele, por vontade própria, já descriminalizou o aborto, por exemplo. E o fez ciente de que mais de setenta por cento da população brasileira é contra o assassinato intrauterino. Mas o que ele diz? Simplesmente que exerce um papel iluminista. Ou seja: ele é um dos guias capazes de tirar a sociedade brasileira do período de trevas por que passa. Algo como um Robespierre tupiniquim.

Então, quando as pessoas comuns clamam pela volta do regime militar, elas na verdade lutam contra a democracia, ou se debatem contra o que é a democracia brasileira atual? Parece que a democracia brasileira não ecoa mais a vontade popular. Não é mais o retrato de um governo do povo, pelo povo e para o povo. Não passa de um fetiche, simples artifício retórico usado por todos aqueles que mandam e desmandam no Brasil para dele extrair tudo o que pessoalmente querem.

E se for contra esse arremedo de democracia que as pessoas comuns lutam, talvez seja o momento de repensarmos nossas instituições porque elas não mais servem para os fins aos quais se destinariam.

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