segunda-feira, 14 de março de 2022

Os Demônios

        Em Os Demônios, um dos livros mais interessantes e proféticos que li nos últimos tempos, Dostoiévski trata de uma célula socialista instalada no interior da Rússia em meados do séc. XIX, do caráter das personagens que a integravam ou com ela esbarravam, e também das relações de poder havidas entre tais pessoas; sendo que todas elas eram mentalmente atormentadas, perturbadas, enfermas por força do niilismo que então tomava conta da já ébria sociedade russa. E esse grupo era como uma legião demoníaca, aquela que Jesus expulsara duma alma atormentada permitindo que se apossasse duma vara de porcos que veio a jogar-se dum despenhadeiro. Eis a razão do nome do romance.


Piotr Stiepánovitch, o filho olvidado de um pretenso intelectual que vive à custa de uma rica proprietária de terras, resolve tornar à província depois de formar-se no exterior.


Imbuído do espírito revolucionário que grassava a Europa ocidental, Piotr Stiepánovitch monta nos confins da Rússia uma célula revolucionária com a qual pretendia colocar a velha e atrasada sociedade russa às avessas, destruí-la mesmo em seus alicerces  para que sobre os escombros dela surgisse outra, forjada de acordo com as ideias socialistas, uma sociedade capaz de parir os novos homens; os quais seriam capitaneados obviamente… por ele, Piotr Stiepánovitch!


E para isso, Piotr Stiepánovitch - que via a si mesmo como uma figura asquerosa, repugnante, coisa que ele fazia questão de sê-lo ao comportar-se de maneira rude e deselegante - necessitava de alguém a quem o povo pudesse seguir com admiração, um semideus aristocrático que desse aos seus planos luciferinos o verniz propagandístico do qual precisavam para que fossem adiante. E há alguém que se encaixa nesse perfil, exatamente o filho da proprietária de terras que sustenta seu pai. E o nome desse novo mas atormentado messias é Stravoguin!


Depois de uma série de peripécias que desencadeiam assassinatos, incêndios, roubos, loucuras e tragédias sem fim, a célula revolucionária é desfeita com o encarceramento de parte significativa de seus membros e o suicídio do messias de alma enegrecida, pois nem mesmo ele suportou a carga de seus muitos crimes e pecados.


Ou seja: no romance, a ordem da já combalida sociedade russa vence a desordem das científicas ideias novas! Coisa que não se repetirá na realidade aquando da Revolução socialista capitaneada por Lênin e do massacre que se lhe seguiu.


O livro é interessantíssimo porque demonstra, com análises psicológicas que só mesmo Dostoiévski conseguiria traçar, o perfil de muitos daqueles que querem construir um mundo melhor! São - e eis algo que o livro deixa claro, com seus diálogos atordoantes - pessoas que, diante dum vazio espiritual absurdo, tentam preencher suas vidas sem propósito (porque sem Deus) dando-lhes uma finalidade político-religiosa, um desiderato  ilusório que permita com que continuem a viver: a revolução socialista que conduzirá a todos a um mundo por elas idealizado!


Sem dúvida alguma, é um livro obrigatório para quem quer entender não só como se forma a mística que circunda os movimentos revolucionários, como ela é mantida e o modo com o qual se expande, mas também as causas do declínio civilizacional que permite o surgimento e o crescimento dessas novas religiões políticas.


Dostoiévski é sempre bom! Mas a leitura d’Os Demônios é essencial nos dias por que passamos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário