A  ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins  corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império dos valores próprios  do Estado Democrático de Direito e pela promoção e defesa dos princípios da  democracia pluralista, bem como pela emancipação dos movimentos sociais,  sente-se na obrigação de desvelar a sua preocupação com os eventos ocorridos  recentemente na USP, especialmente em face da constatação de que é cada vez mais  frequente no país o abuso da judicialização de questões eminentemente políticas,  o que está acarretando um indevido controle reacionário e repressivo dos  movimentos sociais reivindicatórios.
 
Com  efeito, quando movimentos sociais escolhem métodos de visibilização de sua luta  reivindicatória, como a ocupação de espaços simbólicos de poder, visam  estabelecer uma situação concreta que lhes permita participar do diálogo  político, com o evidente objetivo de buscar o aprimoramento da ordem jurídica e  não a sua negação, até porque, se assim fosse, não fariam reivindicações, mas,  sim, revoluções.
 
Entretanto,  segmentos da sociedade, que ostentam parcela do poder institucional ou  econômico, com fundamento em uma pretensa defesa da legalidade, estão fazendo  uso, indevidamente, de mecanismos judiciais, desviando-os de sua função,  simplesmente para fazer calar os seus interlocutores e, assim, frustrar o  diálogo democrático.
 
Aliás, a  percepção desse desvio já chegou ao Judiciário trabalhista no que se refere aos  “interditos proibitórios” em caso de “piquetes” e “greves”, bem como no  Judiciário Civil, como ocorreu, recentemente, em ação possessória promovida pela  UNICAMP, em Campinas, contra a ocupação da reitoria por estudantes, quando um  juiz, demonstrando perfeita percepção da indevida tentativa de judicialização da  política, afirmou que “a ocupação de prédios públicos é, tradicionalmente, uma  forma de protesto político, especialmente para o movimento estudantil,  caracterizando-se, pois, como decorrência do direito à livre manifestação do  pensamento (artigo 5º, IV, da Constituição Federal) e do direito à reunião e  associação (incisos XVI e XVII do artigo 5º)”, que “não se trata propriamente da  figura do esbulho do Código Civil, pois não visa à futura aquisição da  propriedade, ou à obtenção de qualquer outro proveito econômico” e que não se  pode considerar os eventuais “transtornos” causados ao serviço público nesses  casos, pois “se assim não fosse, pouca utilidade teria como forma de  pressão”.[1]
 
Ora, se é  a política que constrói o direito, este, uma vez construído, não pode  transformar-se em obstáculo à evolução da racionalidade humana proporcionada  pela ação política.
 
É por  isso que a AJD sente-se na obrigação de externar a sua indignação diante da  opção reacionária de autoridades acadêmicas pela indevida judicialização de  questões eminentemente políticas, que deveriam ser enfrentadas, sobretudo no  âmbito universitário, sob a égide de princípios democráticos e sob o arnês da  tolerância e da disposição para o diálogo, não pela adoção nada democrática de  posturas determinadas por uma lógica irracional, fundada na intolerância de  modelos punitivos moralizadores, no uso da força e de expedientes  “disciplinadores” para subjugar os movimentos estudantis reivindicatórios e no  predomínio das razões de autoridade sobre as razões de direito, causando  inevitáveis sequelas para o aprendizado democrático.
 
Não é  verdade que ninguém está acima da lei, como afirmam os legalistas e  pseudodemocratas: estão, sim, acima da lei, todas as pessoas que vivem no cimo  preponderante das normas e princípios constitucionais e que, por isso, rompendo  com o estereótipo da alienação, e alimentados de esperança, insistem em colocar  o seu ousio e a sua juventude a serviço da alteridade, da democracia e do  império dos direitos fundamentais.
 
Decididamente,  é preciso mesmo solidarizar-se com as ovelhas rebeldes, pois, como ensina o  educador Paulo Freire, em sua pedagogia do oprimido, a educação não pode atuar  como instrumento de opressão, o ensino e a aprendizagem são dialógicos por  natureza e não há caminhos para a transformação: a transformação é o  caminho."