sábado, 1 de setembro de 2012

Considerações breves sobre a aplicação horizontal dos direitos fundamentais

 

I. Propedêutica

1. Recentemente, uma notícia internacional causou certo furor naqueles que se dedicam ao estudo dos direitos fundamentais. Principalmente naqueles que veem com apreensão a aplicação horizontal desses direitos, que os veem sendo usados para regular as relações travadas entre particulares.

2. O site Consultor Jurídico[1] noticiou que, na Inglaterra, um casal proprietário de singela pousada na Cornualha havia sido condenado em razão de não aceitar que nela dois homossexuais dormissem juntos, no mesmo quarto.

O casal proprietário da pousada sustenta – e ainda o faz, porque o processo está na Câmara dos Lordes aguardando decisão final – que, em razão de professarem uma das muitas vertentes do cristianismo, não permitem que durmam no mesmo quarto pessoas que não são casadas, quer sejam heterossexuais ou homossexuais.

De seu turno, os homossexuais alegam que aforaram a demanda pleiteando indenização pelos danos morais por eles sofridos, haja vista que jamais poderão hospedar-se naquela pousadinha da Cornualha, pois na Inglaterra eles são proibidos de casar-se um com o outro. Logo, dizem os homossexuais, houve indevido cerceamento de direito seu; o que há de ser reparado pecuniariamente por meio da condenação da pousada.

3. É claro que o problema da aplicação horizontal dos direitos humanos não poderia ser abordado todo ele num mero artigo como este.

No entanto, algumas coisas hão de ser ditas, pois causa perplexidade o rumo que os Tribunais do mundo todo têm dado ao tema.

II. Problemas

4. Imagine se uma mulher quisesse ser admitida na Maçonaria, por exemplo. Ou se um homem casado quisesse ser ordenado sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana[2], num outro exemplo à primeira vista absurdo.

É claro que, pelos dispositivos que regem internamente essas organizações, tal mulher sequer poderia ser admitida na Maçonaria ou o homem casado ser ordenado sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana.

Mas é de se pensar até quando será assim.

E a dúvida aqui, por incrível que pareça, é real.

5. Recentemente, um famoso clube de São Paulo teve decisão de seus associados alterada pelo Poder Judiciário, justamente com suporte na aplicação horizontal dos direitos fundamentais.

De fato, os associados do Clube Paulistano não admitiram que um homem passasse a frequentá-lo como dependente de um associado seu, com quem mantinha relação homossexual duradoura.

Ao analisar o caso, o Poder Judiciário modificou a resolução dos membros do Clube Paulistano, permitindo assim que aquele com quem um associado convivia numa relação homossexual viesse a integrar os quadros dessa associação.

6. Em outro caso curioso, a Dinamarca promulgou lei que obriga a Igreja da Dinamarca a realizar casamentos entre homossexuais[3].

7. Logo se vislumbram os problemas que a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas causarão, pois são muitos e muito significativos.

III. Solução

8. Os direitos fundamentais não foram pensados para proteger um cidadão do outro, pois as relações entre particulares vêm sendo reguladas pelo Direito civil – bem reguladas, aliás – faz muito.

Os direitos fundamentais serviram como proteção do homem contra o arbítrio estatal.

Ao que parece, usá-los nas relações entre particulares é uma forma que o Estado encontrou de gerenciar a vida das pessoas, tolhendo a liberdade delas por meio da imposição de valores que não são por elas compartilhados.

9. Se um casal cristão só quer ceder os quartos de sua pousada a pessoas casadas, o que o Estado tem de ver com isso?

Certamente haverá muitos e muitos lugares em que as pessoas solteiras poderão dormir juntas na mesma alcova.

10. Se um clube não aceita determinado fulano como dependente de associado seu, porque não são casados, qual é o problema?

Existem milhares de clubes por aí que os aceitarão.

11. Por que impor às pessoas valores que não são por elas compartilhados, que não são os seus?

12. Eis a intervenção estatal, que vem travestida com as vestes politicamente corretas da modernidade.

13. A solução para casos tais, aqui apenas esboçada timidamente, é, no meu pensar, restringir a aplicação dos direitos fundamentais a casos nos quais estejam em conflito os cidadãos de um lado e o Estado de outro.


[1] http://www.conjur.com.br/2012-ago-15/suprema-corte-britanica-julgar-liberdade-religiao-legitima-discriminacao.

[2] Cabem alguns esclarecimentos, pois muita gente confunde a Igreja Católica com a Igreja Católica Apostólica Romana, uma vez que o líder desta é também o líder daquela.

No entanto, a Igreja Católica é maior do que a Igreja Católica Apostólica Romana, pois é composta por outras 22 (vinte e duas) igrejas particulares, que mantêm comunhão plena com aquele que acreditam ser o sucessor de Pedro, o bispo de Roma (Papa).

Dessas igrejas particulares, a maior e mais conhecida no ocidente é a Igreja Católica Apostólica Romana, na qual o sacerdócio é exclusivamente exercido por homens solteiros.

Isso não é regra da Igreja Católica, porém. É regra da Igreja Católica Apostólica Romana e de algumas outras igrejas particulares.

De fato, há igrejas particulares – principalmente aquelas que usam quaisquer das liturgias orientais, como é o caso da Igreja Maronita do Líbano – em que os padres podem ser casados, se à época em que recebem a ordenação sacerdotal já o sejam.

E a Igreja Maronita é uma das que integram a Igreja Católica, e, a despeito de suas particularidades (as quais fazem muitos descendentes de libaneses pensarem que seus pais e avós eram ortodoxos, pois o rito usado pelos maronitas é o mesmo de algumas igrejas ortodoxas), está umbilicalmente ligada ao bispo de Roma, vendo nele o sucessor legítimo de Pedro e, por isso, guia da Igreja universal.

[3] Por incrível que pareça àqueles que pensam que a liberdade está relacionada ao laicismo estatal, a Dinamarca, um dos países mais liberais de todo o mundo, é um reino no qual há religião oficial: é a luterana Igreja da Dinamarca.

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