i. Introdução
1. O processo civil tem um objetivo: fazer com que as leis
sejam aplicadas a situações conflituosas, de modo a resolvê-las definitivamente
por meio da decisão estatal.
Aqui, então, encontram-se os três elementos que, juntos,
compõem a jurisdição: o conflito, a solução estatal do conflito e o caráter
definitivo dessa solução.
2. Só que não basta que se encerre o conflito com a
aplicação da lei. Às vezes é necessário não só aplicar a lei ao caso concreto,
mas fazer com que aquele que saiu derrotado da demanda cumpra uma obrigação
(reconhecida pela decisão estatal, criada por esta ou pela vontade das partes,
desde que, nessa última hipótese, também seja admitida pela lei).
3. E é justamente para fazer com que alguém que tem uma
obrigação mas teima em não adimpli-la que há a execução, meio pelo qual o
Estado invade o patrimônio do devedor e de lá retira bem – o qual legitimamente
se encontra nesse patrimônio – para satisfazer a obrigação inadimplida.
4. Do exposto se vislumbram alguns dados que, agora, merecem
realce. Em primeiro lugar, a necessidade prévia de decisão judicial que resolva
determinada lide, certo conflito de interesses consubstanciado numa pretensão
resistida. Depois, que da resolução dessa lide nasça ou se reconheça uma
obrigação que há de ser satisfeita. Por fim, que o devedor deixe de adimplir
tal obrigação.
5. Nesses casos terá início a execução de título executivo
judicial, a ser regulada pelos arts. 475-I a 475-R do Código de Processo Civil,
caso o inadimplemento seja de obrigação de entregar dinheiro, ou pelos arts.
461 e 461-A do mesmo Código, se se tratar de obrigação de dar, fazer ou não
fazer.
6. No entanto, e aqui se trata de política legislativa, a lei
reconhece em alguns documentos força suficientemente capaz de autorizar o
credor a iniciar a execução, aqui sim se trata de autônomo processo de
execução, sem que haja prévia decisão que resolva qualquer lide.
7. Na verdade, a resolução da lide, nas execuções de títulos
executivos extrajudiciais, será posterior ao aforamento do processo de execução
e eventual, pois caberá ao devedor decidir se questionará ou não aquela
obrigação que, num primeiro momento, parece inadimplida.
8. Eis então que surge a execução de título executivo extrajudicial,
tal qual regulada pelos arts. 566 a 795 do Código de Processo Civil. Além da
execução de título executivo extrajudicial regulada pelo CPC, ainda há outras, destacando-se,
dentre estas, a execução fiscal.
9. O que se verifica, então, é que o processo civil não é um
fim em si mesmo. Ele é simplesmente o instrumento que há de ser usado para que
quem tem direito reconhecido também possua o bem da vida ao qual tem direito.
10. E, isso é bem visível na execução, que, como afirmado
anteriormente, é o meio pelo qual o Estado invade a propriedade do devedor e de
lá extrai o bem ou os bens necessários à satisfação do credor.
II. A mudança de
paradigma
11. Ovídio Baptista da Silva, em interessante trabalho sobre
a Execução na tradição romano-canônica, destaca a separação artificial do
processo de conhecimento do processo de execução como o gérmen que deu início à
corrosão da própria execução.
12. Independentemente de ele ter razão ou não, e parece que
tem, o que de fato interessa é que a execução não se mostrou capaz de satisfazer
os anseios dos credores; decerto porque a maneira como foi regulada pelo Código
de 1973 não permitiu que o Poder Judiciário se imiscuísse na propriedade do
devedor senão pelos modos tipificados pela lei. Algo que demanda tempo, sendo
que – e é bom lembrar – os devedores brasileiros são muito mais ágeis para
ocultar bens do que a burocracia do Poder Judiciário para encontrá-los!
13. Porque desde o Código de Napoleão se passou a considerar
quase pecado mortal a intromissão no patrimônio de quem quer que seja,
estipulou-se que a execução haveria de ser feita sempre do modo tipificado
legalmente, para evitar o abuso dos juízes do ancien régime, e do jeito menos gravoso para o devedor (ainda
vigente, mas mitigado art. 620 do Código de Processo Civil).
14. O panorama legal de então deixava claro algo que os
brasileiros percebemos rapidamente: só paga conta quem quer.
15. Ocorre que a ineficácia dos meios executivos colocou em
descrédito o Poder Judiciário e o próprio Estado brasileiro (se é que é
possível tirar crédito de quem não o tem), pois ninguém em sã consciência –
quer seja brasileiro ou estrangeiro – investiria uma pataca que fosse aqui
diante da incapacidade que teria de receber esse investimento de volta, graças
ao calote generalizado.
16. Some-se ao exposto, o que não é pouco, algo que se
encontra fora do processo, só que dentro do coração dos brasileiros: a aversão
ao lucro.
Aqui sempre se deu e sempre se dará um jeitinho de proteger
o devedor, principalmente se o credor for empresa de nomeada, porque se parte
do pressuposto psicológico de que o pequeno não precisa passar por muitos
perrengues para encher os bolsos de um grande conglomerado empresarial ou coisa
do gênero.
E assim o Poder Judiciário passou a comportar-se como Robin
Hood.
Fecham-se os parêntesis.
17. As coisas vêm mudando. De fato, hoje se municiou o juiz
de meios com os quais, se tiver um pouquinho de boa-vontade, satisfará a
obrigação voluntariamente descumprida pelo devedor.
18. Um exemplo, e me parece o mais marcante, é a
possibilidade que os arts. 461 e 461-A dão ao juiz de invadir o patrimônio
do devedor, sem que a medida por ele tomada esteja tipificada pela lei.
Ou seja: deu-se ao juiz carta branca para satisfazer a
obrigação inadimplida, diante da renitência do devedor.
Com efeito, e aqui se reporta à execução para a entrega de
coisa, antes o credor deveria encontrar o devedor, citá-lo para que entregasse
o bem ou o depositasse, discutisse o que haveria de discutir ou o que não
haveria de discutir, para que só depois se desse àquele (ao credor) o bem que lhe deveria ter
sido entregue no princípio. Hoje as coisas são diferentes, e o juiz pode
simplesmente determinar que o bem seja entregue sob pena de tomar qualquer
medida coercitiva que entender necessária para que sua ordem seja obedecida.
19. É clara a mudança de paradigma, é visível a alteração do
espírito do processo civil brasileiro.
Em verdade, as pessoas que trabalham, as pessoas sérias – que são a maioria da população – não mais
toleram um Poder Judiciário ineficiente e um processo civil lento, pois esses
entraves só beneficiam aqueles que sempre arrumam um jeitinho de não pagar o
que devem.
20. Felizmente, a seriedade começou a ditar o ritmo do
processo civil, o que se percebe muito claramente com a mudança de paradigma
introduzida na execução pelas recentes reformas por que passou o Código de
Processo Civil - já à beira de extinção.
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