Sumário
I. Síntese necessária; II. A inexistência de responsabilidade
dos sócios; III. Conclusão.
I. Síntese necessária
1. Em primeiro lugar, destaque-se algo curioso, que parece ter
passado despercebido por aqueles que se achegaram ao processo até agora. O
crédito atualmente executado é tributário, e não trabalhista. É bem verdade que
decorre indiretamente de relação de emprego havida entre as partes originárias
do processo principal (reclamante e reclamada), mas nem por isso perde sua
natureza jurídica de tributo.
Com efeito, executa-se contribuição
previdenciária devida pela empresa Furacão e Cia. Ltda., decorrente do reconhecimento
de vínculo empregatício em sentença transitada em julgado.
Porque os bens sociais não foram
suficientes para garantir a execução, penhorou-se dinheiro – exatamente R$ 129.999,97
(cento e vinte e nove mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete
centavos) – encontrado na conta bancária da sócia da sociedade executada.
2. Mas por que a embargante traz isso à memória?
Ora, porque as relações
tributárias não são regidas
pelos mesmos princípio e regras que permeiam as relações trabalhistas. De fato,
se nestas a desconsideração da personalidade jurídica pode decorrer (pode
mesmo?[1]) do
simples inadimplemento, no campo tributário as coisas se complicam um
pouquinho, uma vez que a matéria é tratada pelo art. 135 do Código Tributário
Nacional[2], por
força do disposto no art. 146, inc. III, alínea b, da Constituição Federal[3].
3. Bom, no caso dos autos, sem qualquer alegação da União que
pudesse justificar essa decisão (justificá-la juridicamente, de acordo com o
art. 135 do CTN), desconsiderou-se a personalidade jurídica da sociedade
empresarial que figura no polo passivo da execução, com o fito de incluir os
sócios dela na lide – da qual nunca fizeram parte –, responsabilizando-os por
débitos sociais.
4. Volte-se ao começo da conversa. Isso aqui não é execução de
crédito trabalhista, mas execução de crédito tributário, ainda que sua
exigência esteja procedimentalmente
regulada pela CLT.
Logo, a matéria de fundo há de ser
tratada em conformidade ao disposto no Código Tributário Nacional e Constituição
Federal, e não por aquelas normas (ou pela interpretação que delas se faz) que
regulam as relações trabalhistas.
II. A inexistência de
responsabilidade dos sócios
5. Àqueles que se acostumaram às facilidades das execuções
trabalhistas, em que nada se pergunta, nada se prova e nada se infere, pois o
inadimplemento do crédito reclamado é tido e havido como suficiente para desconsiderar
a personalidade jurídica das sociedades, principalmente se se tratar de uma maléfica sociedade empresarial, tudo o
que será exposto aqui parecerá chato. Mas, no Estado de Direito é assim. Há um
procedimento que deveria ser respeitado antes de se menoscabar a personalidade
jurídica de determinada sociedade, para cobrar de seus sócios os tributos
devidos por ela.
6. Quando os sócios de certa sociedade serão responsáveis pelas
dívidas tributárias dela (da sociedade)?
De acordo com o mencionado e
malbaratado art. 135 do Código Tributário Nacional, os gestores – e não todos
os sócios – são responsáveis pelas dívidas tributárias da sociedade pelos atos
praticados com excesso de poderes ou infração à lei. E só. Não há outra
hipótese. Não há interpretação capaz de estender os limites legais da
responsabilidade dos sócios.
A consequência óbvia é que o
simples inadimplemento não autoriza a responsabilização direta dos sócios por
dívidas sociais.
“Permitir o
redirecionamento do executivo fiscal no caso de microempresas e empresas de
pequeno porte sem a aplicação do normativo tributário é deturpar a intenção
insculpida na Lei Complementar 123/2006: fomentar e favorecer as empresas
inseridas neste contexto. Nesse sentido é que a Primeira Seção, no julgamento do
REsp 1.101.728/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos, reiterou o
entendimento já sedimentado nesta Corte, no sentido que ‘a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem
em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios,
prevista no art. 135 do CTN’.”
8. Noutro versar: para direcionar a execução de crédito tributário
contra os sócios de determinada sociedade, o Estado haveria de demonstrar que
tais sócios infringiram a lei ou contrato social.
Não basta, repita-se à exaustão,
o simples inadimplemento. Há de haver mais, muito mais. Há de haver desvio de
função no exercício da gerência, caracterizado por meio do descumprimento da
lei ou do contrato social e comprovado em processo administrativo instaurado
com a finalidade de apurar essa falta, nos termos do art. 142 do Código
Tributário Nacional[6].
9. Às vezes se esquece de ler a lei. E, no caso, parece olvidado o
art. 142 do Código Tributário Nacional, segundo o qual cabe à autoridade
administrativa, privativamente,
verificar a ocorrência do fato gerador e identificar o sujeito passivo do
tributo no ato de lançamento.
Note-se, por obséquio, o advérbio
usado pelo Código Tributário Nacional: privativamente!
Ora, se a identificação do
sujeito passivo do tributo é atividade privativa
da autoridade administrativa, que deverá apontá-lo no lançamento, ato com o
qual tem início o processo administrativo tributário, é lógico que os
administradores de certa sociedade só poderão figurar como responsáveis
tributários depois de isso ser definitivamente
estabelecido em processo administrativo destinado a tal fim. Antes, não. Nem que o Poder
Judiciário queira, porque o lançamento é atividade privativa da autoridade
administrativa – o que é o mesmo que dizer que não se estende ao juiz.
10. Porque não há razão que justifique o direcionamento da execução
aos sócios da empresa executada, e, ainda que houvesse, porque tal pleito não
se encontra amparado em prévio processo administrativo, a embargante há de ser
declarada irresponsável pelas dívidas tributárias da sociedade que integra.
III. Conclusão
11. Diante do exposto, a embargante quer seja declarada
irresponsável pelas dívidas tributárias da empresa Furacão e Cia. Ltda., nos
termos do art. 135 do Código Tributário Nacional.
Por decorrência, requer lhe seja
devolvido o valor injustamente retirado de sua conta, por meio de alvará
expedido em seu próprio nome.
12. A embargante não produzirá provas em audiência, razão pela qual
quer que os embargos à execução sejam julgados logo depois de colhida a
manifestação da União – a qual deverá ser intimada a oferecê-la.
13. Dá à causa o valor de R$ 129.999,97 (cento e vinte e nove mil,
novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete centavos).
Campo Grande (MS), 18 de abril de
2013.
Tiago
Bana Franco
OAB/MS 9.454
[1]
Seria interessante repensar como as sociedades, principalmente as empresárias,
vêm sendo tratadas pela Justiça do Trabalho, que simplesmente as desconsideram,
desconsiderando também todo o ordenamento jurídico que se lhes aplica, para dar
vazão ao lema do TST: 70 anos de justiça social! Como se o Poder Judiciário
fosse responsável pela realização da justiça distributiva! Como se o Poder
Judiciário não fosse o responsável pela justiça comutativa, que equivale a dar
a cada um aquilo que é seu de acordo com as leis democraticamente votadas, mas
estivesse incumbido de distribuir renda. Só que não vem ao caso discutir tal
matéria agora. Fica só o registro de uma indignação (in)contida há muito tempo.
[2]
Código Tributário Nacional:
“Art. 135. São pessoalmente
responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias
resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei,
contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II -
os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou
representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” O grifo não consta
no original.
[3]
Constituição Federal:
“Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: b) obrigação, lançamento, crédito,
prescrição e decadência tributários;” O grifo não consta no original.
[4]
REsp 1216098/SC. 2ª Turma. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. DJe
31.05.2011.
[5]
FRANCO, Tiago Bana. Aspectos processuais
da ilegitimidade passiva e da responsabilidade dos sócios-gerentes de
sociedades limitadas nas execuções fiscais. In GANDRA MARTINS, Ives e BRITO, Edvaldo. Doutrinas essenciais de Direito tributário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. IV, 2011.
[6]
Código Tributário Nacional:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade
administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido
o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador
da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o
montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor
a aplicação da penalidade cabível.
“Parágrafo único. A atividade administrativa de
lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”
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