domingo, 23 de junho de 2013

Fé e razão


Há algo estranho no mundo. Muito estranho. E não me refiro aos protestos em São Paulo ou na Turquia. Refiro-me à cisão que o pensamento moderno busca fazer entre fé e razão, distinção que ganha corpo no ocidente, uma vez que de um lado estão os céticos filhos do evolucionismo/marxismo/freudismo, e doutra banda se espalham as seitas protestantes cujos seguidores parecem crer mais na magia de algum oráculo do que em Deus.
Mas será que existe realmente oposição entre fé e razão?
Ao contrário do que brandem por aí os iluministas tardios, a fé – e doravante entenderei como fé a fé católica, pois pessoalmente só conheço a fé católica e nenhuma outra mais – não há qualquer oposição razoável entre a fé e a razão.
Para se chegar a essa conclusão, basta retornar um pouquinho no tempo e perceber que o catolicismo sempre buscou a fundamentação de Deus de duas formas distintas, mas complementares.
Em primeiro lugar, pela experiência daqueles que viram, conviveram com Jesus e foram por Ele eleitos para levar o evangelho a todos os povos. Trata-se, portanto, de uma experiência do real, daquilo que de fato aconteceu, daquilo que os apóstolos e demais seguidores de Jesus presenciaram e deixaram para a Igreja por meio da Tradição oral e escrita passada de geração a geração. Por isso se afirma, com razão, que o catolicismo não é a religião de um livro, a Bíblia, mas a religião de Jesus.
Só que a experiência pessoal dos primeiros cristãos não foi suficiente para sanar a gana das gerações que se seguiram e que se confrontavam diariamente com as várias correntes filosóficas que permeavam o mundo antigo. Aliás, por meio da filosofia, os homens sempre buscaram saber qual é a razão da própria vida, ou, noutras palavras: por que existo ao invés do nada? E os cristãos jamais deixaram de pensar em Deus, de tentar alcançá-lo também por meio da razão, a despeito de terem-no conhecido pessoalmente. E aqueles que se superaram nesta busca foram, sem dúvida, Agostinho e Tomás de Aquino. Só que não é deles que tratarei aqui, por falta de espaço e por incompetência minha.
Por meio da filosofia cristã, todo o raciocínio platônico e aristotélico foi trazido para explicar e justificar a existência de Deus, a ponto de o próprio Cardeal Joseph Ratzinger chegar a afirmar que “o cristianismo tem seus precursores e sua preparação interna no racionalismo filosófico, não nas religiões (antigas)”.
Trago à balha o seguinte trecho de Ratzinger, também extraído do artigo denominado A pretensão da verdade posta em dúvida, por meio do qual ele deixa claro seu pensamento (ao menos no tempo em que ainda era Cardeal):
“Segundo Agostinho e a tradição bíblica, para ele decisiva, o cristianismo não se baseia nas imagens e ideias míticas, cuja justificação se encontra, afinal, em sua utilidade política, mas faz referencia a esse aspecto divino que a análise racional da realidade pode perceber. Em outras palavras: Agostinho identifica o monoteísmo bíblico com as ideias filosóficas sobre o fundamento do mundo formadas em suas diversas variantes na filosofia antiga.”
Ora, é claro que a busca de Deus por meio da razão dá ao cristianismo a primazia sobre todas as religiões, uma vez que a justificativa racional é capaz de ser levada a qualquer ser humano, coisa muito diferente do que se dava e ainda se dá com as outras crenças.
Diante desse quadro, tratar o cristianismo com desdém em razão de sua suposta falta de racionalidade demonstra, só e tão-somente, desconhecimento do objeto em análise, haja vista que a racionalidade é exatamente o que distingue o cristianismo das outras religiões, a racionalidade é a diferença específica que diferencia aquela que tem a si própria como a religio vera das outras.

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