Li a entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB à
revista Veja. Marcus Vinícius Coêlho não surpreendeu, pois disse as mesmas
tolices que vêm sendo propaladas nos últimos anos pelos que o antecederam na
hoje irrelevante presidência de uma instituição que não sabe aonde ir porque
não sabe o que quer. É uma quantidade tal de bobagens, que a análise delas
haverá de ser cindida. Por isso resolvi elaborá-la em três distintos artigos.
Tratarei, no primeiro deles, da alardeada reforma política.
O que me causa espécie (Min. Lewandowski) é
realmente a intrepidez com a qual pessoas ligadas aos atuais ocupantes do
poder, e Marcus Vinícius Coêlho integra o rol dos apadrinhados de Sarney,
buscam tudo alterar para que as coisas fiquem como estão, como diria a
personagem principal do excelente romance de Tomasi di Lampedusa.
Marcus Vinícius propôs algumas coisas curiosas que alterariam
profundamente as eleições, pois, de acordo com sua visão canhestra da
realidade, além de torná-las mais limpas, proporcionariam condições iguais a
todos os candidatos. A primeira delas é a proibição de que pessoas jurídicas
doem dinheiro a partidos políticos ou aos próprios políticos. Depois, que a
doação das pessoas físicas seja limitada a R$ 700,00. Uma terceira proposta
consistiria na obrigação de o Tribunal Superior Eleitoral fixar o valor de
gastos que cada legenda partidária teria com determinada campanha. Sobre a
criminalização de algumas condutas listadas pelo presidente da OAB, nem comentarei.
Passarei direto para a proposta de eleições legislativas em dois turnos, um
para que se decidissem quantas cadeiras ficariam com quais partidos, e outro
para que se elegessem aqueles que ocupariam essas cadeiras dentro dos partidos
vencedores.
Sobre a proibição de empresas doarem dinheiro a políticos,
eis o trecho da entrevista que interessa:
“A origem desse mal (refere-se à crise no modelo de
representatividade, por ele próprio diagnosticada) está no sistema eleitoral,
que estimula o caixa dois, que faz com que o candidato, salvo honrosas
exceções, tenha uma relação imprópria com empresas. Isso gera um parlamentar
eleito com vícios de origem, o que distorce a representação política. Na
maioria das vezes, ele presta contas ao financiador, e não ao eleitor.
“O financiamento de campanha por empresas deve ser proibido.”
Meu Deus! Ao partir do pressuposto do qual o presidente da
OAB dá largada ao seu raciocínio, fico aqui a imaginar os políticos
brasileiros, todos tão bonzinhos e honestos, sendo corrompidos por empresários
malvados. Esses políticos realmente são uns coitados!
O que de fato interessa é que não são as doações licitamente
feitas por empresas que geram corrupção, ou o vício de origem que o presidente
da OAB quer combater; mas as doações ilícitas. Será que o presidente da OAB é
tão bobinho que não sabe distinguir uma coisa da outra?
Ora, ninguém faz caixa-dois com doações lícitas, mas só com o
dinheiro recebido de fontes que não podem aparecer. Assim, e em sentido
contrário ao que brada o presidente da OAB, só mesmo se todas as doações feitas
por empresas a políticos ou aos partidos fossem declaradas é que o populacho
teria condições de analisar, por si mesmo, se determinado político faz o que
tem de fazer ou se é mera marionete do grupo de empresários que o ajudou a
eleger-se.
Agora, num exercício imaginativo, vou rascunhar o quadro que
se pintaria caso a proposta do presidente da OAB fosse acolhida. Quem é que tem
mais chances de receber dinheiro ilícito? Os ocupantes do poder, que decidem quem
fará esta ou aquela obra, que resolvem quem prestará este ou aquele serviço, ou
os partidos de oposição? Hoje em dia, quem teria condições de receber dinheiro
desviado de obras públicas para abarrotar seu caixa-dois? O PT ou o PSDB? O
PMDB ou o combalido DEM?
Se se responder com sinceridade as perguntas acima feitas,
chegar-se-á à conclusão óbvia de que os partidos que hoje ocupam o poder
continuariam a ocupá-lo, pois teriam dinheiro sobrando no caixa-dois, dinheiro recebido de acertos feitos às escondidas com as empresas que prestam serviços
ao governo ou realizam obras; enquanto os partidos de oposição minguariam sem
um real, uma vez que, mesmo se todos os empresários brasileiros quisessem, não
lhes poderiam doar nadica de nada.
Em outras palavras: é pressuposto da democracia, e só concebo
a democracia como a representativa, que as pessoas físicas e jurídicas possam
doar o que quiserem aos candidatos que escolherem.
E essa proposta, de impedir que empresas doem dinheiro a
políticos ou a partidos, seria complementada pela impossibilidade de as pessoas
físicas doarem mais de R$ 700,00!
Note-se aonde quer chegar a bondade do presidente da OAB.
Bom, se fosse tudo, estaria ruim. Mas o negócio é bem pior,
porque o presidente da OAB quer que o TSE limite os gastos que cada partido
terá com as eleições. Eu não entendi. O limite dos gastos seria o mesmo para
todos os partidos? Ou seriam limites
diferentes? Se diferentes, quais os critérios para dar o limite de 1 ao PSDB e de 2 ao PMDB?
Trabalho então com a hipótese de o TSE fixar um só valor. Ou
seja: todos os partidos teriam o mesmo teto. Bom, nesse cenário, os partidos
que engordaram o caixa-dois, e só podem fazê-lo se já estão no poder, sairiam
na frente, porque os adversários estariam duros.
Agora, se os gastos fossem limitados em tetos diferentes,
imaginando que o PSB pudesse gastar 5, e o PT 30, quais seriam os critérios de
distinção desses tetos? Se fosse a quantidade de parlamentares eleitos na
última eleição, os partidos que a ganharam encastelar-se-iam no poder, uma vez que,
além do caixa-dois, ainda teriam um limite de gasto maior do que os limites
dados pelo TSE aos adversários. Ou seja: o que está ruim sempre pode piorar.
Por último, a proposta para que as eleições legislativas
sejam feitas em duas etapas, “para baratear”. Seria a primeira vez na história
da humanidade que duas eleições seriam mais baratas que uma, mas vamos lá.
A proposta do presidente da OAB é só a reformulação da
proposta do PT para que as eleições legislativas sejam feitas por listas
fechadas. Ou seja:
os partidos escolheriam quem ganharia ou não as eleições. Só que a proposta do
PT é mais honesta, por incrível que pareça, haja vista que, de acordo com ela,
os partidos estabeleceriam uma ordem prévia de candidatos que seriam eleitos a
depender da votação do partido que integram. A proposta do presidente da OAB quer que essa lista seja
feita pelos próprios eleitores, depois de saber quantas vagas irão para cada
partido. Em outro versar: numa segunda eleição, o povo decidiria quem comporia
a lista do PT, do PSDB, do PMDB, de acordo com o número de cadeiras que cada um
desses partidos houvesse recebido numa primeira eleição. Afora a confusão
do método, pergunto-me a mim mesmo: Será que o presidente da OAB acha que,
estabelecido que são três as vagas do PR para deputado federal em São Paulo, por
exemplo, os caciques do partido ficarão de fora? Será que o PR, no caso do
exemplo, não investirá tudo e mais um pouco para que seus chefes sejam os
eleitos nessa segunda votação? Tenha santa paciência!
Pelas propostas feitas, com tanta intenção positiva, percebo
uma coisa e nada mais: o presidente da OAB ocupa seu cargo, e frui o prestígio
do qual ainda goza tal cargo, para puxar o saco de quem está no poder e
trabalhar para que os atuais dirigentes permaneçam em Brasília per saecula saeculorum.
"Por último, a proposta para que as eleições legislativas sejam feitas em duas etapas, “para baratear”. Seria a primeira vez na história da humanidade que duas eleições seriam mais baratas que uma, mas vamos lá".
ResponderExcluir"Pelas propostas feitas, com tanta intenção positiva, percebo uma coisa e nada mais: o presidente da OAB ocupa seu cargo, e frui o prestígio do qual ainda goza tal cargo, para puxar o saco de quem está no poder e trabalhar para que os atuais dirigentes permaneçam em Brasília per saecula saeculorum."
Perfeito!!!!