Acabo de ler o livro de Mario Vargas Llosa em que ele analisa
A civilização do espetáculo. Leitura
interessante, porque é sempre bom entrar em contato com o pensamento de bons
escritores, e considero Vargas Llosa um excelente romancista, mas, ao fim e ao
cabo, de pouco proveito. De fato, sua análise acerta no secundário, mas erra no
essencial.
Vargas Llosa acerta ao apontar um dado de facílima percepção,
que é a decadência da cultura no ocidente judaico-cristão, a ponto de reclamar
tal qual uma noviça do desprezo que lhe devotam os atuais donos da bola da
crítica literária; críticos tão acostumados à banalidade do mundo virtual
quanto desacostumados das leituras exigentes que fizeram do ocidente aquilo que ele era até meados do século passado. Só que
erra, e se equivoca muito, ao apontar as causas dessa débâcle.
De acordo com Vargas Llosa, a cultura ocidental decaiu em
razão do aparecimento de novos meios de comunicação, como a televisão e a
internet, os quais tornaram o pensamento um tanto rasteiro e imediatista. Isso,
a influência desses novos instrumentos na mente das pessoas, ainda segundo
Vargas Llosa, tornou-as incapazes de realizar análises mais profundas e
exigentes, uma vez que hoje o que importaria seria o espetáculo, a bufonaria, o
terra-a-terra, a banalidade da vida elevada à espetacularização em razão da
criação de ídolos que na verdade só o são porque doam sua privacidade à saciedade
de um público voraz por diversão, insaciável do que o diverte.
A mim me parece, no entanto, que tal análise só demonstra, e
ouso dizer isso, um desconhecimento completo e absoluto da natureza humana,
haja vista que desde que o mundo é mundo o homem medíocre regozija-se com a
fofoca, com a intromissão em vida alheia, com o analisar dos pecados do outro.
Quer essa intrusão se dê pela janela da comadre, quer se dê pela tela do
computador. E, sinceramente, a cultura ocidental não decaiu em razão de as
massas terem facilitado o acesso à pilhagem da privacidade alheia. O problema
não é esse.
A cultura ocidental decaiu espetacularmente quando seus
expoentes perderam a noção do absoluto, do observador onisciente, e Vargas
Llosa é um exemplo eloquente disso, pois é um entusiasta da democracia
relativista que hoje impera em nosso mundo ocidental, ao mesmo tempo em que
contraditoriamente se nega a aceitar as consequências dessa ditadura do
relativismo.
O que os grandes escritores citados por Vargas Llosa, como,
por exemplo, Tolstoi e Dostoievski, Proust e Joyce, Mann e Goethe, o que esses
luminares das letras têm em comum, e que não há no mundo hodierno?
Tais escritores têm sobre si a presença do eterno, e o que
eles buscaram sempre foi a eternidade, e por isso suas obras não eram feitas
para agradar ao homem-massa. Aspiravam à aprovação de um auditório seleto,
composto por poucos porém capazes homens que pudessem compreender a si próprios
e aos demais num tempo exterior ao tempo, num tempo fora do tempo.
A partir do momento em que os intelectuais deixaram de lado a
noção do eterno, não mais almejaram a imortalidade, perderam-se em questões de
pouca monta, em questiúnculas de somenos importância, equiparando-se ao
homem-massa. Transmudaram-se em homem-massa. E como homens-massa haverão de ser
tratados; justamente tratados.
E o que Vargas Llosa não admite, pois é um admirador do relativismo
hoje imperante, é que o eterno jamais poderia contemplar verdades que se
contrariam. O eterno é afinal uno. E só quem o quer pode ser julgado por ele.
Só quem o almeja pode aspirar à eternidade, e não os julgamentos voláteis de
quem aceita verdades relativas.
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