sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Justiça do Trabalho: Direito x Ideologia

Há algo de estranho nos julgamentos atuais. Algo muito esquisito. Sabe-se lá por qual razão, os estudiosos brasileiros importaram principalmente da Alemanha uma série de estudos que passaram a ser identificados como pós-modernos(1) . Nestes, quem com eles se depara identifica facilmente uma característica, algo que todos esses estudos têm em comum: a exagerada função dos princípios na argumentação jurídica(2).

Bom, o que realmente se vê depois do contato que os magistrados brasileiros tiveram com a doutrina estrangeira, mesmo porque talvez se trate de relacionamento fortuito e ocasional, é que as regras de direito positivo, o direito tal qual posto nas leis, as regras passaram a ser interpretadas de maneira tão elástica que, em algumas ocasiões, ninguém mesmo sabe para que servem.

Esse drama por que passam os jurisdicionados é ainda maior na Justiça do Trabalho, uma vez que o Direito do trabalho se encontra, desde sua origem, dominado por uma corrente ideológica de inegável matiz socialista.

Com efeito, e isso é facilmente comprovado pela leitura de qualquer manual da matéria, tem-se a equivocada visão de que o Direito do trabalho aspira a resguardar o direito dos trabalhadores contra a opressão dos empregadores, como se em todos os casos os empregadores fossem vilões, e os trabalhadores bonzinhos(3); retrato de uma visão de mundo maniqueísta que ainda campeia as mentes imaginativas de alguns que cultuam o Direito do trabalho, mas que ganha adeptos mesmo fora dessa seara, principalmente no novel Direito do consumidor.

Há muitos e muitos exemplos que poderiam ser dados para ilustrar tal afirmação, mas basta este parágrafo da lavra de um ministro do Tribunal Superior do Trabalho(4) para tanto:

“De fato, o ramo justrabalhista incorpora, no conjunto de seus princípios, regras e institutos, um valor finalístico essencial, que marca a direção de todo o sistema jurídico que compõe. Este valor – e a conseqüente direção teleológica imprimida a este ramo jurídico especializado – consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem sócio-econômica.”

Em que pese o fato de parecer que eu seja um mau-caráter que não se preocupa com a explorada e espoliada classe operária, vilipendiada pelos malvados empresários que dela querem arrancar até a alma, como se esses mesmos empresários não precisassem de uma classe operária bem remunerada para adquirir os produtos e serviços que fabricam e comercializam, o que interessa é que ao Direito não cabe a tentativa de melhorar as condições de pactuação da força de trabalho. O Direito tem outra função; qual seja: dar a cada um aquilo que é seu, de acordo com as leis vigentes.

Quem tem a obrigação de melhorar as condições de pactuação da força de trabalho são aqueles que firmam os pactos de trabalho, desde que o façam com esteio nas regras do jogo. E as regras do jogo, dentro de um Estado democrático, são as leis votadas pelo parlamento – e não a vontade deste ou daquele juiz.

A partir do momento em que os juízes começam a descumprir a lei, porque, segundo entendem, há um ou outro princípio de acordo com o qual o Direito do trabalho tem de ir além de simplesmente dar ao trabalhador aquilo a que tem direito, os juízes em realidade usurpam a competência do parlamento e imiscuem-se em assuntos que lhes não dizem respeito para fazer o que pensam ser justo.

Ao agirem dessa forma, desrespeitam a vontade soberana do povo, a qual se encontra estampada em leis, para impor a uma das partes do processo, aquela que consideram bafejada pela fortuna, obrigações que tiram de suas próprias cartolas. E se os juízes desrespeitam as leis, não agem mais como juízes; senão como infratores tais quais aqueles que querem punir.

Um exemplo marcante, felizmente já corrigido pelo Tribunal Superior do Trabalho, é a aplicação da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil às execuções trabalhistas(5); lembrando que tal multa não se encontra prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, que rege a fase executiva da reclamação trabalhista(6) de modo totalmente diferente do que é feito pelo Código de Processo Civil.

Para aplicar a aludida multa, muitos e muitos magistrados da Justiça do Trabalho partiram do pressuposto segundo o qual, a despeito de evidentemente não haver lacuna normativa na Consolidação das Leis do Trabalho que permita a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil(7), haveria lacuna ontológica que justificaria a aplicação da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.

Lacunas ontológicas, pelo que eu entendi, seriam aquelas que demonstrariam o descompasso entre a norma que existe e aquela que deveria existir de acordo com a concepção de mundo do magistrado.

O que se deve destacar é que o princípio da separação dos poderes determina, grosso modo, que os legisladores façam as leis e que os juízes as apliquem quando provocados a fazê-lo.

Se os juízes querem mudar as leis, que concorram e se elejam para o parlamento e lá proponham as mudanças que entendam cabíveis na legislação atual.

O que não podem fazer é utilizar um princípio de conteúdo cinzento para, fundando sua argumentação nele, deixar de cumprir norma que se encontra veiculada por lei. Mormente porque, como bem destacado pela doutrina, às mais das vezes os princípios não detêm densidade normativa suficiente para justificar a decisão de não aplicar certa lei a determinado caso concreto(8).

Do exposto, infere-se que as leis hão de ser aplicadas sempre e em todas as ocasiões, a não ser que colidam frontalmente com princípios constitucionais com conteúdo palpável ou com regras da própria Constituição, sob pena de se instituir o que já se denomina de império dos juízes – comportamento que há de ser adotado inclusive e principalmente pela Justiça do Trabalho, tão sensível às demandas dos empregados quanto insensível aos direitos daqueles que proporcionam trabalho e dignidade a parcela significativa da população, que são os empresários e demais empregadores.
Referências:

1) Elival da Silva Ramos tece críticas pertinentes ao movimento que se autodenomina pós-modernismo constitucional, principalmente à ausência de conteúdo normativo na argumentação que desenvolvem seus adeptos (in Ativismo judicial – parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010).

2) “O principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura dos direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos (ou se impõem deveres) definitivos, ao passo que no caso dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie” (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 45).

3) A própria denominação de trabalhadores para aqueles que em realidade são empregados já demonstra, só por si, o preconceito que há contra os empresários no Brasil. Ou será que os empresários não são trabalhadores?

4) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 55.

5) Código de Processo Civil:
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.”

6) Consolidação das Leis do Trabalho:
“Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.
“§ 1º - O mandado de citação deverá conter a decisão exeqüenda ou o termo de acordo não cumprido.
“§ 2º - A citação será feita pelos oficiais de diligência.
“§ 3º - Se o executado, procurado por 2 (duas) vezes no espaço de 48 (quarenta e oito) horas, não for encontrado, far-se-á citação por edital, publicado no jornal oficial ou, na falta deste, afixado na sede da Junta ou Juízo, durante 5 (cinco) dias.
“Art. 881 - No caso de pagamento da importância reclamada, será este feito perante o escrivão ou secretário, lavrando-se termo de quitação, em 2 (duas) vias, assinadas pelo exeqüente, pelo executado e pelo mesmo escrivão ou secretário, entregando-se a segunda via ao executado e juntando-se a outra ao processo.
“Parágrafo único - Não estando presente o exeqüente, será depositada a importância, mediante guia, em estabelecimento oficial de crédito ou, em falta deste, em estabelecimento bancário idôneo.
“Art. 882 - O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código Processual Civil.
“Art. 883 - Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial.”

7) Consolidação das Leis do Trabalho:
“Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”

8) ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios (da definição à aplicação dos princípios jurídicos). 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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