Sumário
i. A incorporação inversa; ii. A interpretação equivocada da
Receita Federal; iii. Conclusão
i. A incorporação inversa
1. Em razão de ser inadmissível que a sociedade incorporadora
aproveite-se dos prejuízos fiscais da sociedade incorporada[1],
em muitos planejamentos tributários a sociedade deficitária é quem acaba
incorporando a superavitária, a fim de fazer com que os prejuízos fiscais
daquela sejam aproveitados para se compensar com aquilo que é devido por esta.
2. Ocorre que, em situações assim, a Receita Federal do Brasil
habitualmente tem lavrado autos de infração com suporte no argumento segundo o qual
não haveria justificativa econômica capaz de estribar a incorporação da
sociedade lucrativa por aquela que não dá lucro.
3. Em regra, esses autos de infração têm sido mantidos pelos
Tribunais administrativos, caso a incorporação inversa (ou às avessas, como
também é conhecida) não tenha justificativa outra senão a diminuição da carga
tributária, pois se entenderia que, se a única aspiração fosse a de reduzir a
carga tributária, o negócio seria simulado[2].
4. De fato, os Tribunais administrativos incumbidos de julgar a
matéria vêm exigindo que a incorporação inversa passe pelo business purpose test, pois só se realmente houvesse sólida justificativa
econômica é que tal operação não se caracterizaria como negócio jurídico
simulado. E, se entrevista simulação, a Receita Federal do Brasil teria em seu
benefício o art. 116, parágrafo único; dispositivo legal que lhe permitiria
desconsiderar o negócio simulado para tributar aquilo que seria o negócio
dissimulado[3].
5. Ocorre, no entanto, que a argumentação desenvolvida pela Receita
Federal do Brasil peca por duas razões singelas: (a) não há lei no ordenamento
jurídico nacional que impeça a incorporação às avessas; (b) e não há lei que
exija o tal propósito econômico como justificativa de qualquer ato entre
sociedades que resolvem unir-se por meio de incorporação.
ii. A interpretação equivocada da
Receita Federal
6. Quando o Direito tributário vale-se de conceito de Direito
privado, sem lhe alterar o sentido, há-se de tomar tal conceito com o mesmo
conteúdo que detém no seu domínio de origem, por força do art. 110 do Código
Tributário Nacional[4].
7. Logo, e porque o Direito tributário valeu-se do conceito de
simulação sem modificar seu sentido, dá-se o negócio simulado quando:
“I -
aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às
quais realmente se conferem, ou transmitem;
“II -
contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
“III - os
instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.”
8. A incorporação às avessas não se subsume a qualquer das
hipóteses discriminadas pelo art. 167 do Código Civil, uma vez que por meio
dela não se confere direito à pessoa diversa daquela à qual realmente se
confere, nela não há declaração que não seja verdadeira e não há necessidade de
fazê-la com qualquer instrumento antedatado ou pós-datado.
9. Com esse panorama em mente, pergunta-se: como é simulada a incorporação
se é o retrato fiel daquilo a que aspiraram as partes contratantes?
10. Além disso, a exigência de que a incorporação inversa tenha
propósito negocial, ou seja, que não tenha por escopo único reduzir a carga
tributária das sociedades nela envolvidas, não encontra respaldo no ordenamento
jurídico.
11. Se de fato no Direito norte-americano há razão capaz de
justificar tal exigência, criação pretoriana[5],
aqui no Brasil as coisas são um tantinho diferentes, pois em nosso país é
permitido que as pessoas se organizem da maneira como quiserem, desde que isso
não seja vedado; vedado por lei aprovada pelo parlamento, e não por mera
interpretação dos Tribunais.
12. Como lei não há que impeça a incorporação inversa, encontra-se
ela dentro da liberdade concedida às pessoas de organizarem-se (e organizarem
suas atividades econômicas) da maneira como lhes aprouver, ainda que tenham o
único e legítimo propósito de economizar tributos.
13. Por qualquer ângulo, vislumbra-se que a interpretação dada à
incorporação inversa pela Receita Federal, as exigências que faz para
aceitá-la, não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro.
iii. Conclusão
13. Em frente do exposto, fácil é concluir que a incorporação às
avessas poderá, sim, ser usada como medida de elisão fiscal, ainda que tenha
isso como seu único objetivo.
[1]
Note-se, por favor, o teor do art. 33 do Decreto-lei 2.341/87, incorporado ao
Regulamento do Imposto de Renda (art. 514):
“Art. 33. A pessoa jurídica
sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos
fiscais da sucedida.
“Parágrafo único. No caso de
cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios
prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido.”
[2]
A incorporação às avessas tem sido aceita em determinadas situações, como, por
exemplo, desde que as empresas envolvidas sejam operativas e que a incorporação
se faça com o propósito de buscar maior eficiência das operações. Assim se
pronunciou a Sétima Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes no julgamento
do Processo 10675.003870/2002-21, em que funcionou como Relator Natanael
Martins.
[3]
Código Tributário Nacional:
“Art. 116.
“Parágrafo único. A
autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do
tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária,
observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
[4]
Código Tributário Nacional:
“Art. 110. A lei tributária
não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e
formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela
Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas
do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências
tributárias.”
[5]
Caso Gregory v. Helvering, julgado
pela Suprema Corte em 1935.
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