I. Propedêutica
1. Alguns aspectos tributários que não ganhavam projeção em Mato
Grosso do Sul, por força da economia outrora estribar-se exclusivamente na
agropecuária, agora têm relevo com a alteração da matriz econômica do nosso
Estado.
2. E as transformações de sociedades empresárias, por meio da
incorporação de umas pelas outras, têm de ser analisadas cuidadosamente,
principalmente no que diz respeito aos seus aspectos tributários, uma vez que,
se o ato de incorporação não for realizado de acordo com o que manda o
figurino, o que num primeiro momento pareceria céu de brigadeiro acaba
transformando-se numa inimaginável dor de cabeça com a Receita Federal.
3. Em primeiro lugar, deve-se atentar para um dado curioso: as
incorporações realizadas entre sociedades empresárias – quer sejam sociedades
limitadas, anônimas ou de quaisquer outras espécies – são regradas pela Lei
6.404/76[1].
Isso porque o Código Civil[2] não
regula de modo satisfatório essas transações entre empresas, de sorte que, na
ausência de regramento sobre a matéria, aplica-se-lhes a Lei das S/A[3].
4. Por outro viés, e já começando a delinear o assunto sobre o qual
me debruçarei, a mim me cumpre destacar situação que sempre há de ser analisada
com cuidado ímpar: o real valor da sociedade incorporada.
Aqui se deve deter um pouquinho
com atenção.
Ninguém em sã consciência compra
um ativo porque nele não acredita, porque nele não confia, porque pensa que lhe
não será rentável de um modo ou outro.
Compra-se algo sempre por se
tratar, ao menos possivelmente, de um bom negócio.
Assim, quando uma empresa
incorpora outra, comprando-lhe as quotas ou ações, o faz por entrever a
possibilidade de com isso angariar algum bom resultado econômico.
E só pode vislumbrar tal futuro
por três razões distintas: (a) ou as ações ou quotas não representam o real
patrimônio da sociedade incorporada, haja vista que o patrimônio é mais valioso
do que as quotas ou ações; (b) ou as ações ou quotas da sociedade incorporada
tendem a proporcionar ao seu detentor um lucro futuro pela valorização que hão
de ter no decorrer do tempo; (c) ou, por fim, a sociedade incorporada tem um
fundo de comércio, bens intangíveis ou quaisquer outras coisas que
economicamente possam justificar um pagamento maior do que seu real e atual
valor.
5. Eis que surgem, então, três tipos de ágio sobre os quais versarei:
(a) o ágio em razão da mais-valia, a qual corresponde à diferença entre o valor
real da sociedade incorporada e o valor contábil de suas quotas ou ações; (b) o
ágio existente em razão da expectativa de rentabilidade futura (goodwill), por força da valorização das
próprias quotas e ações adquiridas pela sociedade incorporadora; (c) e o ágio
derivado de fundo de comércio, intangíveis ou outra razão econômica.
6. Estudar de que forma serão tributados esses três tipos
diferentes de ágio (o ágio decorrente da mais-valia, o derivado da expectativa
de rentabilidade futura e o oriundo de fundo de comércio ou intangíveis) é o
objetivo do trabalho.
7. Antes de iniciar a exposição do tema, cabe-me recordar que o que
será afirmado doravante não diz respeito às relações de empresas controladas ou
coligadas, pois as relações entre elas hão de ser analisadas pelo método da equivalência
patrimonial, e não da forma como agora explicarei.
II. O conceito de ágio
8. Ágio, então, corresponde à diferença entre o valor nominal das
ações ou quotas negociadas e seu valor justo, conceito no qual se incluem o
valor real do patrimônio da sociedade empresarial incorporada, a expectativa de
lucratividade dela ou alguma outra causa econômica que o justifique, como, por
exemplo, a existência de fundo de comércio ou bens intangíveis.
Três são, como já afirmado antes,
os tipos de ágio: (a) o ágio que ocorre por força da mais-valia; (b) o ágio
correspondente à expectativa de lucro da sociedade incorporada; (c) e o ágio
derivado da existência de fundo de comércio, intangíveis ou outra causa
qualquer, desde que economicamente justificável.
Como não poderia deixar de ser, três
são também as maneiras fiscais com a qual a incorporadora há de tratar as
espécies de ágio.
III. O tratamento fiscal do ágio derivado
da mais-valia
9. De acordo com o art. 386 do Regulamento do Imposto de Renda, a
mais-valia “integrará o custo do bem ou
direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de depreciação,
amortização ou exaustão (§ 1º)”[4].
E mais: deverá registrar o valor
do ágio (ou eventual deságio) em contrapartida à conta que registre o bem ou
direito que lhe deu causa[5].
10. Assim, o ágio decorrente da mais-valia será regrado como se
custo do bem fosse, sujeito à depreciação, amortização ou exaustão.
11. Em outras palavras: ao se incorporar uma empresa, se de tal
incorporação sobrevir ágio em razão da mais-valia, ter-se-á de dar a esse ágio
o tratamento que se daria ao custo do bem ou direito adquirido.
IV. O tratamento fiscal do goodwill
12. O goodwill
corresponde à expectativa da rentabilidade futura e poderá ser amortizado,
segundo o mesmo art. 7º da Lei 9.532/97, “nos balanços correspondentes à
apuração do lucro real, levantados posteriormente à incorporação, à razão de um
sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração”[6].
13. Ao se verificar o goodwill,
portanto, tal montante há de ser destacado contabilmente no livro de apuração
do lucro real e poderá ser amortizado à razão de um sessenta avos por mês.
14. Se houver deságio, terá de ser amortizado durante cinco
anos-calendários subsequentes à incorporação, à razão de um sessenta avos por
mês, no mínimo.
15. Por fim, relembre-se que essa amortização não é permitida para
fins contábeis, servindo apenas para atingir finalidades fiscais[7].
V. Ágio fundamentado em fundo de
comércio, intangíveis ou outras razões econômicas
16. De seu turno, o ágio que tem origem em fundo de comércio,
intangíveis ou outras razões econômicas não está sujeito à amortização, só
podendo ser deduzido como perda no encerramento das atividades da empresa (da
incorporadora, claro).
17. Por óbvio que, ao fim das atividades da empresa, não bastará a
alegação de que existe o ágio para que ele possa ser deduzido.
A empresa haverá de comprovar, na
data de seu fechamento, a inexistência do fundo de comércio ou intangível que o
deu origem, nos termos da Lei 9.532/97[8].
VI. Conclusão
18. É claro que o assunto sobre o qual tratei não é dos mais atraentes.
Todavia, é um tema que deve ser enfrentado, posto que árido, por aqueles que
acompanham operações de incorporação de sociedades – algo que deve ser feito
com bastante cuidado e zelo, para que os benefícios vislumbrados pelo
empresário quando da negociação não sejam baldados por inépcia dos
profissionais que o circundam.
[1]
Lei 6.404:
“Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser
operadas entre sociedades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser
deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou
contratos sociais.”
[2]
O Código Civil simplesmente se limita a prescrever:
“Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade
incorporada deverá aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato
constitutivo.
Ҥ 1o A sociedade que houver de ser
incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os
administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a subscrição
em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo.
“§ 2o A deliberação dos sócios da
sociedade incorporadora compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do
patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorporada.
“Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a
incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva
averbação no registro próprio.”
[3]
A Lei 6.404/76 dedica todo seu Capítulo XVIII à regulação da fusão,
incorporação e cisão de empresas.
[4]
IUDÍCIBUS, Sérgio et alli. Manual de
contabilidade societária. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 195.
[5]
Lei 9.532/97:
“Art. 7º
A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação,
fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou
deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26
de dezembro de 1977:
“I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo
fundamento seja o de que trata a alínea ‘a’ do § 2º do art. 20 do Decreto-lei
n.º 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que
lhe deu causa;”
[6]
Lei 9.532/97:
“Art. 7º
A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação,
fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou
deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26
de dezembro de 1977:
“III – poderá amortizar o valor do ágio cujo
fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2° do art. 20 do
Decreto-lei n° 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um
sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;”
[7]
Idem.
[8]
Lei 9.532/97:
“Art. 7º
A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação,
fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou
deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26
de dezembro de 1977:
“II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento
seja o de que trata a alínea "c" do § 2º do art. 20 do Decreto-lei
n.º 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a
amortização;
“§ 3º O valor registrado na forma do inciso II do
caput:
“a) será considerado custo de aquisição, para efeito
de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu
causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese devolução de
capital;
“b) poderá ser deduzido como perda, no encerramento
das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo
de comércio ou do intangível que lhe deu causa.”
É dos mais atraentes sim ja que agora a receita cobra R$18bi do Itau.
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