segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Alguns aspectos tributários da incorporação de sociedades empresárias


I. Propedêutica



1. Alguns aspectos tributários que não ganhavam projeção em Mato Grosso do Sul, por força da economia outrora estribar-se exclusivamente na agropecuária, agora têm relevo com a alteração da matriz econômica do nosso Estado.



2. E as transformações de sociedades empresárias, por meio da incorporação de umas pelas outras, têm de ser analisadas cuidadosamente, principalmente no que diz respeito aos seus aspectos tributários, uma vez que, se o ato de incorporação não for realizado de acordo com o que manda o figurino, o que num primeiro momento pareceria céu de brigadeiro acaba transformando-se numa inimaginável dor de cabeça com a Receita Federal.



3. Em primeiro lugar, deve-se atentar para um dado curioso: as incorporações realizadas entre sociedades empresárias – quer sejam sociedades limitadas, anônimas ou de quaisquer outras espécies – são regradas pela Lei 6.404/76[1].

Isso porque o Código Civil[2] não regula de modo satisfatório essas transações entre empresas, de sorte que, na ausência de regramento sobre a matéria, aplica-se-lhes a Lei das S/A[3].



4. Por outro viés, e já começando a delinear o assunto sobre o qual me debruçarei, a mim me cumpre destacar situação que sempre há de ser analisada com cuidado ímpar: o real valor da sociedade incorporada.

Aqui se deve deter um pouquinho com atenção.

Ninguém em sã consciência compra um ativo porque nele não acredita, porque nele não confia, porque pensa que lhe não será rentável de um modo ou outro.

Compra-se algo sempre por se tratar, ao menos possivelmente, de um bom negócio.

Assim, quando uma empresa incorpora outra, comprando-lhe as quotas ou ações, o faz por entrever a possibilidade de com isso angariar algum bom resultado econômico.

E só pode vislumbrar tal futuro por três razões distintas: (a) ou as ações ou quotas não representam o real patrimônio da sociedade incorporada, haja vista que o patrimônio é mais valioso do que as quotas ou ações; (b) ou as ações ou quotas da sociedade incorporada tendem a proporcionar ao seu detentor um lucro futuro pela valorização que hão de ter no decorrer do tempo; (c) ou, por fim, a sociedade incorporada tem um fundo de comércio, bens intangíveis ou quaisquer outras coisas que economicamente possam justificar um pagamento maior do que seu real e atual valor.



5. Eis que surgem, então, três tipos de ágio sobre os quais versarei: (a) o ágio em razão da mais-valia, a qual corresponde à diferença entre o valor real da sociedade incorporada e o valor contábil de suas quotas ou ações; (b) o ágio existente em razão da expectativa de rentabilidade futura (goodwill), por força da valorização das próprias quotas e ações adquiridas pela sociedade incorporadora; (c) e o ágio derivado de fundo de comércio, intangíveis ou outra razão econômica.



6. Estudar de que forma serão tributados esses três tipos diferentes de ágio (o ágio decorrente da mais-valia, o derivado da expectativa de rentabilidade futura e o oriundo de fundo de comércio ou intangíveis) é o objetivo do trabalho.



7. Antes de iniciar a exposição do tema, cabe-me recordar que o que será afirmado doravante não diz respeito às relações de empresas controladas ou coligadas, pois as relações entre elas hão de ser analisadas pelo método da equivalência patrimonial, e não da forma como agora explicarei.



II. O conceito de ágio



8. Ágio, então, corresponde à diferença entre o valor nominal das ações ou quotas negociadas e seu valor justo, conceito no qual se incluem o valor real do patrimônio da sociedade empresarial incorporada, a expectativa de lucratividade dela ou alguma outra causa econômica que o justifique, como, por exemplo, a existência de fundo de comércio ou bens intangíveis.

Três são, como já afirmado antes, os tipos de ágio: (a) o ágio que ocorre por força da mais-valia; (b) o ágio correspondente à expectativa de lucro da sociedade incorporada; (c) e o ágio derivado da existência de fundo de comércio, intangíveis ou outra causa qualquer, desde que economicamente justificável.

Como não poderia deixar de ser, três são também as maneiras fiscais com a qual a incorporadora há de tratar as espécies de ágio.



III. O tratamento fiscal do ágio derivado da mais-valia



9. De acordo com o art. 386 do Regulamento do Imposto de Renda, a mais-valia “integrará o custo do bem ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de depreciação, amortização ou exaustão (§ 1º)”[4].

E mais: deverá registrar o valor do ágio (ou eventual deságio) em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa[5].



10. Assim, o ágio decorrente da mais-valia será regrado como se custo do bem fosse, sujeito à depreciação, amortização ou exaustão.



11. Em outras palavras: ao se incorporar uma empresa, se de tal incorporação sobrevir ágio em razão da mais-valia, ter-se-á de dar a esse ágio o tratamento que se daria ao custo do bem ou direito adquirido.



IV. O tratamento fiscal do goodwill



12. O goodwill corresponde à expectativa da rentabilidade futura e poderá ser amortizado, segundo o mesmo art. 7º da Lei 9.532/97, “nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados posteriormente à incorporação, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração”[6].



13. Ao se verificar o goodwill, portanto, tal montante há de ser destacado contabilmente no livro de apuração do lucro real e poderá ser amortizado à razão de um sessenta avos por mês.



14. Se houver deságio, terá de ser amortizado durante cinco anos-calendários subsequentes à incorporação, à razão de um sessenta avos por mês, no mínimo.



15. Por fim, relembre-se que essa amortização não é permitida para fins contábeis, servindo apenas para atingir finalidades fiscais[7].



V. Ágio fundamentado em fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas



16. De seu turno, o ágio que tem origem em fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas não está sujeito à amortização, só podendo ser deduzido como perda no encerramento das atividades da empresa (da incorporadora, claro).



17. Por óbvio que, ao fim das atividades da empresa, não bastará a alegação de que existe o ágio para que ele possa ser deduzido.

A empresa haverá de comprovar, na data de seu fechamento, a inexistência do fundo de comércio ou intangível que o deu origem, nos termos da Lei 9.532/97[8].



VI. Conclusão



18. É claro que o assunto sobre o qual tratei não é dos mais atraentes. Todavia, é um tema que deve ser enfrentado, posto que árido, por aqueles que acompanham operações de incorporação de sociedades – algo que deve ser feito com bastante cuidado e zelo, para que os benefícios vislumbrados pelo empresário quando da negociação não sejam baldados por inépcia dos profissionais que o circundam.



[1] Lei 6.404:
“Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre sociedades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos sociais.”
[2] O Código Civil simplesmente se limita a prescrever:
“Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo.
“§ 1o A sociedade que houver de ser incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo.
“§ 2o A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorporada.
“Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio.”
[3] A Lei 6.404/76 dedica todo seu Capítulo XVIII à regulação da fusão, incorporação e cisão de empresas.
[4] IUDÍCIBUS, Sérgio et alli. Manual de contabilidade societária. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 195.
[5] Lei 9.532/97:
Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
“I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea ‘a’ do § 2º do art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;”
[6] Lei 9.532/97:
Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
“III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2° do art. 20 do Decreto-lei n° 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;”
[7] Idem.
[8] Lei 9.532/97:
Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
“II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "c" do § 2º do art. 20 do Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;
“§ 3º O valor registrado na forma do inciso II do caput:
“a) será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese devolução de capital;
“b) poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu causa.”

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