Um assunto
que enseja vasta discussão nestes dias é a nova lei que disciplina sobre o
exercício da profissão do motorista rodoviário profissional.
De fato, desde
que entrou em vigor no dia 16 de junho, a Lei nº 12.619/2012 já provocou todo
tipo de debates, protestos e, inclusive, uma breve greve dos caminhoneiros que
chegou a paralisar nossas estradas. Em decorrência, o Governo Federal e os
representantes da categoria profissional comprometeram-se a discutir alguns
pontos da lei.
Mas, há duas
peculiaridades que merecem outros questionamentos.
O primeiro
diz respeito ao âmbito de aplicação da lei.
Pois,
enquanto o art. 1º dispõe que “É livre o
exercício da profissão de motorista profissional”, seu parágrafo único
disciplina que “Integram
a categoria profissional de que trata esta Lei os motoristas profissionais de
veículos automotores cuja condução exija formação profissional e que exerçam a atividade
mediante vínculo empregatício”[1].
Ou seja,
tal como consta da redação da lei, os motoristas autônomos e os cooperados
(aqueles que são proprietários de seu próprio caminhão ou membros de alguma
cooperativa de transporte) fogem ao alcance da norma.
Afinal,
como estes motoristas autônomos e cooperados não possuem vínculo de emprego com
quem quer que seja, por sua vez não são obrigados a cumprir qualquer dos
preceitos da lei.
Além da
consoante conjuntiva “e” constante do
texto legal, que não deixa dúvida sobre isto, o acréscimo que a lei faz à CLT,
que rege apenas relações empregatícias, corrobora esta interpretação. E ainda
que a nova lei acresça disposições ao Código de Trânsito Brasileiro, estes
adendos ao CTB subsumem-se ao conceito inicial efetuado no citado parágrafo
único do art. 1º; porquanto a lei deve ser interpretada de forma sistemática,
isto é, o capítulo de trânsito não pode ser lido dissociado dos demais comandos
da lei que lhe originou.
Outro ponto
interessante é a vedação ao pagamento do motorista empregado por comissão ou
outra remuneração com base no resultado da atividade, como estampa o art. 235G
da CLT acrescido pelo art. 3º da lei aqui comentada[2].
Posto que
esta proibição ensejará uma séria redução do ganho do trabalhador, alterando
todo o sistema de remuneração que sempre vigeu na atividade: a comissão.
Assim,
ainda que os caminhoneiros comemorem a redução feita pela lei de sua jornada de
trabalho, esta mesma lei diminuirá, ainda que reflexamente, seus ganhos
financeiros; tendo em vista que receberão apenas pagamento fixo, geralmente o
salário básico da categoria estabelecido em convenção coletiva.
Trata-se,
portanto, de uma prejudicial alteração do contrato de emprego que o empregador
será obrigado a observar daqui em diante.
Mas, como
sempre acontece na legislação brasileira, há uma brecha: conforme a parte final
do mencionado dispositivo, a remuneração variável pode ser paga se não houver
comprometimento da “segurança
rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da presente
legislação”.
Neste
ponto, a lei traz um conceito vago, deixando ao intérprete determinar quando
uma situação oferece risco à população e quando ela possibilita a transgressão
da lei.
Diante dos
tortuosos costumes que existem nas rodovias, como o desenfreado consumo de
substâncias psicotrópicas e a sobrecarga nos caminhões, podemos supor que esta lacuna
permitirá a continuidade do sistema de remuneração que sempre existiu e esta proibição
da lei será letra morta.
À parte da
lei, o que também preocupa é sua fiscalização. Ontem[3],
em entrevista outorgada a uma rádio campo-grandense[4],
o representante local da Polícia Rodoviária Federal (PRF) assentou que a
corporação não admitiria a condução de caminhões por motoristas em regime de
revezamento na boléia.
Todavia, a
lei em questão é bastante clara ao permitir este revezamento[5],
chegando a reduzir o período de descanso diário para 6h (seis horas).
O
entendimento do policial, autoridade que fiscalizará o cumprimento da norma nas
rodovias, é, portanto, incorreto.
Logo, ainda
que a nova lei traga importante avanço à profissão e ao transporte rodoviário,
por certo sua aplicação ainda ensejará longas discussões (o que é juridicamente
saudável) e, por certo, o aumento do preço do frete (e, por conseqüência, o
aumento do preço dos produtos ao calejado consumidor brasileiro) e da
informalidade no setor em razão da maior onerosidade que advirá do contrato
regular de emprego.
Dorvil Afonso Vilela Neto, advogado
sócio de Bana Franco, Vilela Neto e Andreasi Advogados, graduado pela UFMS e pós-graduado
pela PUC/SP e FADISP. E-mail: dorvil@bfvna.com.br.
[1] Grifo
nosso.
[2] “Art. 235-G. É proibida a remuneração do motorista em função
da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de
produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro
tipo de vantagem, se essa remuneração ou comissionamento comprometer a
segurança rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da
presente legislação.”
[3]
1º/08/2012.
[4] Programa
Noticidade da Rádio FM Cidade 97,9.
[5] No § 6º do
art. 235E da CLT, também acrescido pelo art. 3º da lei aqui comentada:
“§6º. Nos casos em que o empregador adotar revezamento de
motoristas trabalhando em dupla no mesmo veículo, o tempo que exceder a jornada
normal de trabalho em que o motorista estiver em repouso no veículo em movimento
será considerado tempo de reserva e será remunerado na razão de 30% (trinta por
cento) da hora normal.”
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