sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Morrer e suceder–breve anotação sobre o livro de Giselda Hironaka

Depois de ler a agradabilíssima obra de Stendhal, resolvi expiar alguns pecados com o livro Morrer e suceder. Passado e presente da transmissão sucessória concorrente, escrito pela Profa. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.

Leitura difícil, atravancada, que não rende, que não flui porque exaustivamente repetitiva, porque os argumentos se repetem incessante e insanamente de modo circular.

Sou teimoso. Terminarei o trabalho começado, com a certeza de que chegarei ao fim sem qualquer mácula, com a alma branca como a neve, pois realmente se trata duma cruz pesada com a qual remirei todos meus muitos pecados.

Além disso, a autora – que almeja desconstruir tudo aquilo que sabemos não só sobre o direito romano, mas sobre a própria Roma – faz algumas colocações que me parecem equivocadas.

Tratarei de uma delas aqui. Ei-la:

“Somos acostumados à ideia de vida após a morte, cuja origem é especificamente cristã. Os judeus não acreditavam nisso, e os romanos tampouco” (HIRONAKA, Gilselda Maria Fernandes Novaes. Morrer e suceder. Passado e presente da transmissão sucessória concorrente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 132).

Como é que é?

Sobre os romanos, a autora diz o tempo todo que a religião deles não passava de uma religião cívica (o que seria uma religião cívica, ela não explica), que não teria relação com o Além etc. e tal. Não vou entrar em tal discussão, uma vez que o que é posto pela autora contraria frontalmente tudo – e quando digo tudo é tudo mesmo – o que os clássicos afirmaram sobre o povo romano, seu direito e religiosidade. Poderia citar Suetônio, Gibbon e Coulanges, mas vou poupar o apressado leitor desse lenga-lenga.

Vou tratar só da alegação de que os judeus não acreditavam na vida após a morte.

Para contrariá-la, há uma passagem bíblica que, por si só, demonstra a falsidade do argumento. E aqui não usarei a Bíblia porque fiel, mas porque no trecho que transcreverei se conta um fato ocorrido com o apóstolo Paulo que joga por terra a afirmação de que todos os judeus não criam numa vida depois da morte.

Eis a colocação de Paulo, que estava em julgamento por pregar a ressurreição de Cristo:

“Então Paulo, sabendo que alguns deles eram saduceus e os outros fariseus, bradou no Sinédrio: ‘Irmãos, sou fariseu, filho de fariseu. Estou sendo julgado por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos!’" (Atos 23:6).

Vislumbra-se, do texto transcrito e de sua continuação (acessível a todos que têm uma Bíblia em casa), que havia dois partidos em combate: o dos saduceus, que realmente não criam na ressurreição, e o dos fariseus, ao qual pertenceu Paulo, que acreditavam na ressurreição dos mortos.

Se é fato que alguns judeus, os do partido saduceu, não acreditavam na vida depois da morte, é equivocadíssima a generalização feita pela autora, que quer abarcar todos os judeus nesse balaio.

Ora, os fariseus criam na ressurreição, de modo que afirmar que eles não aceitavam a vida depois da morte é algo irreal, que qualquer catequista de quinta categoria conseguiria repelir só com trechos bíblicos – os quais abundam e seguem em sentido contrário ao da autora.

Ao que parece, e digo isso sem terminar de ler o livro, sua autora quis reinventar a roda. Só que quer fazê-la quadrada.

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